19 maio 2008

Memória do futuro

por Felicia Borges

Foto: Divulgação
Magid Saad

"É para isso que serve, difundir a arte fotográfica em todos os seus aspectos e modalidades", diz com firmeza seu Magid Saade, às vésperas de completar 88 anos, com todo o idealismo que levou à criação do Foto Clube do Espírito Santo no ano de 1946, do qual ele foi um dos fundadores e é hoje o único ainda aqui por Vitória. Com 62 anos de fundação, a serem completados na próxima sexta-feira (23), o Foto Clube do Espírito Santo é o tema da exposição Coletiva de Fotógrafos que vai ser aberta nesta terça-feira (20), no Bandes, pelo projeto Vitória Foto, reunindo imagens raras, produzidas por um coletivo de fotógrafos que fizeram parte desse movimento.

A mostra, de caráter documental, colocará em destaque uma parte importante da memória iconográfica do Estado; serão ao todo 48 fotografias realizadas pelos fotoclubistas desde a década de 40. Sob a curadoria dos fotógrafos Apoena Medeiros e Carla Osório, foram privilegiadas imagens e fotógrafos que fossem representativos dos diversos momentos de criação fotográfica do movimento fotoclubista capixaba, com destaque para os trabalhos de Pedro Fonseca, com imagens raras de Vitória realizadas entre as décadas de 40 e 50, e para o estilo de vanguarda dos fotógrafos Nilton Pimenta e Júlio Cesar Pagani, nos anos 70.

Entre os entusiastas da entidade criada nos anos 40, além de seu Magid, estavam Pedro Fonseca, Érico Hauschild, Dolores Bucher, Ugo Musso, Décio Lírio e Finn Knudsen, todos eles amadores. "Houve uma época em que o idealismo prevalecia. Foi na década de 1940. Surgiram diversas entidades culturais e artísticas. E surgiu o Foto Clube. A vida capixaba tomou novo fôlego. O pessoal todo tinha sua atividade profissional e entrava nessas organizações", lembra Magid, incluindo na lista ainda os clubes de poesia, dama, xadrez, criadores de canários, orquídea, também criados na época.

Atividades
Magid ainda guarda os catálogos dos salões capixabas de arte fotográfica ocorridos nos anos 70 em Vitória. Além dos fotógrafos amadores de todo o Brasil, também eram inscritos centenas de trabalhos de pessoas da Alemanha, Áustria, Luxemburgo, às vezes até mais que a participação nacional, além de em menor numero da Argentina, Estados Unidos, Filipinas e vários outros países europeus. Em 1975, por exemplo, foram recebidas mais de três mil inscrições, das quais cerca de 1.200 foram selecionadas pela comissão julgadora para participar da 25ª edição do salão.

Foto: Divulgação
Pedro Fonseca
Foram várias exposições na história. Um ano antes da criação o Foto Clube do Espírito Santo organizou na Capital a I Exposição de Arte Fotográfica de Amadores, em uma loja da Praça Oito, experiência que levou à fundação da entidade. Foram organizados ainda 26 famosos Salões Capixabas de Arte Fotográfica, sendo os primeiros de âmbito nacional, e os de 1948 a 1978 de cunho internacional, esses inclusive reconhecidos pela Federação Internacional de Arte Fotográfica (FIAP). O FCES foi um dos fundadores da Confederação Brasileira de Fotografia e Cinema, em 1950.

Também foi realizada pelos fotoclubistas capixabas a I Exposição de Arte Fotográfica da Cidade de Guarapari, em 1971, além de ministrarem cursos de iniciação ao tema. Em 1968, o grupo promoveu em Vitória a V Bienal de Arte Fotográfica Brasileira, com uma extensa programação que atraiu a participação e presença dos mais notáveis artistas da arte fotográfica brasileira.

"No Foto Clube, os participantes eram todos fotógrafos amadores. Eu nunca recebi um centavo com fotografia, mas teve gente que se tornou profissional. Foi evoluindo, e nós fazíamos exposições de grande valia. Era uma festa. Havia o prestígio do público, a contribuição das entidades financeiras. Nós tínhamos pontos estratégicos de Vitória. Vitória ia do Palácio Anchieta até a Avenida Capixaba. Ali era o centro nervoso da Capital, ali se discutia de tudo", relembra.

Entre as temáticas que aqueles amadores buscavam fotografar, Magid Saade conta que ia pela tendência de cada um. "Eu comecei com muita praia. Minha propensão era marinha. Tinha os que fotografavam pessoas e os que fotografavam natureza morta. Table top, que era a fotografia tirada em cima da mesa. Teve um tempo que tiravam fotografias de paisagem. Nós aprendemos muito de composição com os pintores: Rembrandt, Renoir, Taylor. Agora, a gente não admitia fotografia de pessoas com distorção".

A Vitória de então
Seu Magid é um senhor muito conversador, que gosta de falar de tudo um pouco. Foi bancário no Banco do Brasil e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) no curso de Ciências Contábeis. Fala com saudade do Parque Moscoso, conta histórias de fotografias tiradas por ele e outro colega de Augusto Ruschi, para ele "o menino Ruschi", fala do último terremoto da China e de suas vítimas, da qualidade dos equipamentos digitais japoneses e da baixa qualidade dos chineses.

Da Capital ele relembra. "No meu tempo as sete maravilhas de Vitória eram o Parque Moscoso, o Teatro Carlos Gomes, o conjunto Palácio Anchieta e as escadarias, o Saldanha da Gama, o Museu Monjardim e a Catedral. Mutilaram o Parque Moscoso, mutilaram a Catedral, estão pintando os prédios de Vitória de ocre, às vezes um ocre vivo, que é um absurdo dos absurdos", lamenta.

Foto: Divulgação
Júlio Cézar Pagani
Ele também ri de algumas histórias e explica com afinco a revelação feita nos laboratórios na época, falando de diafragma, efeito de luz, revelador, fixador, interruptor, e por aí vai. Tendo começado suas primeiras experiências com a fotografia em 1942, seu Magid garante que não é autodidata, já que fez muitas leituras e estudou para chegar ao que sabe hoje.

Bons tempos eram quando o FCES chegava a mais de uma centena de membros, situação bem diferente da atual. "Tivemos até mais de 100 membros, mas depois foi se definhando. Não há mais aquele espírito de idealismo hoje em dia. Todo mundo quer entrar no negócio para tomar vantagem. Hoje têm uns três ou quatro que vão lá uma vez ou outra. Tomara que alguém tome conta disso, porque... e se eu morrer?", deixa a pergunta no ar.

Digital
Magid Saade conta que já chegou até a ter um laboratório de revelação em sua própria casa. O laboratório que ainda hoje o Foto Clube tem, ele acredita ter sido ele o último a usar, há cerca de um ano e meio, mas reclama que hoje já não se encontra mais material em Vitória.

Ele critica os trabalhos que tem visto em Vitória nessa era digital. "Entrou a digital. O digital é a fotografia do momento. Eu não tenho gostado do serviço de Vitória. Hoje a maioria das pessoas tem uma máquina por ter, para uma festa. Não tem o processamento", diz.

Para aderir à maquina digital, seu Magid está esperando os equipamentos se adequarem à qualidade que ele conseguia com os equipamentos tradicionais. "A digital ainda não chegou ao ponto que eu cheguei no preto e branco. Para eu chegar nisso eu tenho que gastar mais de R$ 20 mil, mas eles estão se adequando. O poder de definição eu tenho mais na máquina tradicional do que na digital, mas eu acredito que em pouco tempo eles vão se adequar. Eu quero dominar a máquina, não quero que a máquina me domine. Isto está se acelerando de um maneira que é infinito. Pena eu estar nos meus 88 anos, que eu não possa entrar mais tanto nessa era digital".

Ele inclusive diz que já chegou a dar uma olhada. "Eu não tenho ainda a digital. Eu quero comprar. Eu fui a uma loja e vi uma de R$ 1.950, 'made in Singapura'. Deus me livre! Eu não quero isso nem de graça", se diverte.

Apesar de ter perdido suas forças por volta de 1980, a sede do Foto Clube do Espírito Santo ainda funciona, o laboratório para preto e branco é mantido e o arquivo das fotografias dos sócios está em boas condições. O FCES fica na Avenida Governador Bley, 186 - 9º andar, no Centro de Vitória.

Serviço
O projeto Vitória Foto abre nesta terça-feira (20) a exposição Foto Clube do Espírito Santo, a partir das 19h, no Espaço de Arte do Bandes, Centro de Vitória. A visitação será de 21 de maio a 15 de junho.

FONTE: www.seculodiario.com.br/arquivo/2008/maio/19/index.asp

ENTREVISTA MAGID SAAD - FOTO CLUBE DO ES

'Eu me considero um fotógrafo amador aprofundado'

O último romântico das lentes



Cristina Moura

("A fotografia é uma forma de ficção. É ao mesmo tempo um registo da realidade e um auto-retrato, porque só o fotógrafo vê aquilo daquela maneira". Gérard Castello Lopes)

Foto: Ricardo Medeiros


Durante este mês, Vitória está sendo palco de uma das propostas inovadoras para a divulgação do trabalho fotográfico. O Vitória Foto já conta com seis exposições simultâneas e oficinas gratuitas. O evento pretende destacar a tradição do Estado na área e relembrar a fundação do Foto Clube do Espírito Santo, em 1946.

Como parte da programação do Vitória Foto, neste dia 20, a partir das 19h, no Espaço de Arte do Bandes, Centro de Vitória, estará aberta a exposição Foto Clube do Espírito Santo. A visitação será de 21 de maio a 15 de junho.

A exposição, além de celebrar 62 anos do Foto Clube, revelará ao público 48 imagens raras, produzidas por fotógrafos que fizeram parte desse movimento. Na entrevista deste final de semana, temos um legítimo representante dessa época. Talvez o mais velho entre os vivos. Magid Saad completará, em julho, 88 anos de vida e muitos dedicados à sua paixão pela fotografia.

A loja de equipamentos e materiais fotográficos Empório Capixaba era o cenário de muitos dos fotoclubistas, amigos e contemporâneos de Saad. Dentre eles, Pedro Fonseca, Érico Hauschild, Dolores Bucher, Ugo Musso, Décio Lírio e Finn Knudsen.

Foto: Ricardo Medeiros


Os apaixonados pela fotografia organizaram a "I Exposição de Arte Fotográfica de Amadores", inaugurada em 25 de dezembro de 1945, em uma loja da Praça Oito, Centro de Vitória. Foi daí que nasceu o Foto Clube. E, com a entidade, vários outros eventos provaram a credibilidade dos participantes. Sobre o Foto Clube e muitas outras experiências com a arte de fotografar falou Magid ao Século Diário, com o seu tom humorístico peculiar. Confira.


Século Diário: - O senhor nasceu em Vitória...

Magid Saade: - Vou completar 88 anos de idade. Nasci no dia 13 de julho de 1920. Sou descendente de libaneses. Nunca saí de Vitória. Fiz curso primário e ginásio em Vitória. Fiz Academia de Comércio. Sou contador. Na década de 1940 fiz concurso para o Banco do Brasil. Só me afastei 30 anos depois.

- Qual a sua função lá?

- Galguei diversos postos. Fui investigador de cadastro, chefe de sessão, vários serviços... Me aposentei na modalidade de comissões. Na carreira, cheguei à ultima 'letra', ou seja, categoria. A última era uma espécie de cargo de confiança do presidente do banco. Era 'extra-carreira'.

- E depois do banco, o senhor trabalhou em quê?

- Ainda no banco fui convidado para ser professor de Auditoria e Análise de Balanço no curso de Ciências Contábeis. Trabalhei 18 anos fazendo isso dentro do banco. Fui professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) vinte horas. Vinte horas! Não quis tempo integral, não. Na década de 40 pratiquei bastante esporte... atletismo, voleibol...

- Em qual clube?

- Entrei para o Saldanha da Gama. Fui remador do Saldanha da Gama. Fui diretor, fui secretário geral... Neste ínterim, trabalhei na Federação Desportista Espírito-santense. Fui assistente técnico de remo. Assumi, provisoriamente, a técnica de futebol quando Genílio Ramos adoeceu. Depois, o basquetebol, aqui em Vitória, estava paralisado. Eu fui designado assistente técnico de basquetebol para reerguer o esporte. Graças a Deus, consegui e ele está até hoje. Na Federação, fui secretário de Contas, secretário de Justiça, além de assistente de remo e secretário geral. A Federação era eclética. Agora está dividida. Agora tem departamento de voleibol, futebol, basquetebol...

Foto: Ricardo Medeiros


- Quando o senhor começou a se interessar por fotografia?

- Em 1945, ingressei no ramo da fotografia. Fazia as fotos e o Empório Capixaba revelava. Era a casa especializada no serviço. Eles resolveram trazer o Jamil Merjane do Rio de Janeiro para estruturar o Empório. Depois, Jamil se especializou como fotógrafo profissional. Nessa época, fomos nos comunicando com fotógrafos amadores. Era tudo amador! Foi sugerido pelo grupo realizar uma exposição de fotografia. Fizemos uma exposição em novembro de 1945 na Praça Oito. A Praça Oito era o Centro de Vitória. Tudo acontecia na Praça Oito. Era política, esporte, acordo, negociatas, tudo! (risos)

- Qual era o tema?

- Livre. Pensamos em fazer um Foto Clube para trocar idéias. A gente trocando idéias adquire novos conhecimentos. Então, foi fundado o Foto Clube, no dia 23 de maio de 1946. O Foto Clube reunia pessoas de toda as classes sociais interessadas por fotografia. Fui uma época em que houve um 'boom' de fotoclubismo em todo o mundo. Um 'boom' também de associações literárias e congêneres, associações culturais de diversas formas. Na época apareceu em Vitória também o Clube Filatélico Numismático, clubes afins... criadores de canário... (risos) enfim... Houve um 'boom' mesmo. Academia Espírito-santense de Letras, Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo... Eu comecei a me dedicar à fotografia quando o Renato Pacheco falou com o doutor Roberto Rodrigues e o doutor Danilo Rebouças, que era uma elemento proeminente, para que fizéssemos um curso de fotografia porque eles fizeram uma 'universidade do povo'. Então, foi feito o curso. No dia que eles não podiam ir eu assumia, dava aula no lugar. Aos pouquinhos, fui me entrosando com a fotografia. Comecei a dar cursos e sucessivos cursos. E aí eu tinha que estudar. Não posso dizer que sou autodidata porque eu assisti às aulas do professor Roberto. Depois, no Foto Clube, tivemos a participação de Quincas e Hugo Musso. Musso trabalhava no Empório, mas não era fotógrafo profissional. Aprendi muito com Quincas e com Hugo também. Comecei a estudar muito. Comprei livros, revistas... Às vezes, o aluno fazia uma pergunta e eu não sabia responder de pronto. Dizia 'na próxima aula eu respondo.' Aí, eu ia investigar o assunto. A mesma coisa eu fazia com as aulas de Auditoria e Balanço. Eu dizia 'vou ler e depois eu dou uma resposta.' Eu não sou uma enciclopédia humana... Então, o Foto Clube cresceu assustadoramente.

Foto: Ricardo Medeiros


- A adesão foi considerável...

- Começou de 1946 e terminou em 1970, quando também começou o declínio das entidades culturais artísticas. O pessoal mais antigo ou se transferia de Vitória ou morria. Posso dizer que sou o último. (risos). Por incrível que pareça, uma das fundadoras do Foto Clube, Dolores Bucker, que é neta de Albert Richard Dietze, primeiro fotógrafo que apareceu em Vitória. Ele veio lá de Santa Leopoldina. Ele foi fotógrafo do imperador! Há pouco tempo, foi descoberta uma caixa de fotografias dele em Santa Leopoldina. Eu me considerei um fotógrafo amador aprofundado. Entendeu? Eu tinha mais conhecimento que os demais. E alguns profissionais me consultavam. Sempre fui amador em fotografia. Jamais recebi um centavo por qualquer trabalho meu de fotografia. Nunca...


- ...nunca foi contratado?

- Fui procurado, sim, mas indicava um profissional. Aliás, fui essencialmente amador, de acordo com o postulado do Foto Clube. 'O Foto Clube do Espírito Santo é uma entidade juridicamente organizada, de direito privado, que tem por fim incentivar e propagar a arte fotográfica em seus aspectos e modalidades'. Artigo primeiro do estatuto. O Foto Clube do Espírito Santo é essencialmente amadorístico. Não recebe qualquer vantagem para aplicar. Para os cursos cobrávamos uma taxa para as despesas com material e mais nada. O grupo não tinha lucro nenhum.

- Chegou a reunir quantas pessoas?

- Ah, já chegou a cem pessoas. Fizemos inúmeros salões regionais, depois nacionais, e foi reconhecido pela Federação Internacional de Arte Fotográfica, que reunia todo tipo de material fotográfico do mundo. Nesse intercâmbio, junto com os Foto Clubes do Brasil e com a Federação Internacional, estivemos ligados à fotografia de cinema, e entramos em contato com todo mundo. Hugo e Quincas, então, começaram a ser profissionais. Depois, Sagrilo, profissional. Fonseca, um dos fundadores do Foto Clube, se tornou profissional. A gente fazia muita coisa. Mandaram para nós um filme diapositivo colorido. Mandaram 35 poses para fazer teste. Deviam ter mandado com 36. Tirei as fotografias. Tirava fotografia, um ponto a mais, um ponto a menos. E consegui fazer uma série. Isso foi para a Alemanha. Ficou bastante conhecido. Acho até que ficaram com excesso ou superexposição. Quando fui ao Rio, encontrei um alemão que criticou o trabalho. Disse que tinha condições de tirar uma fotografia exata, mas o amador não. O amador não, o amador erra. O alemão coçou a cabeça... (risos). Esse negócio de colorido é engraçado. Na Inglaterra foi um sucesso. Na França foi um fracasso. Nosso clima é tropical. O clima europeu é mais ameno. Há variações, sim, na fotografia. A gente observava que, ao revelar 100 ASA, a fotografia ficava um pouquinho diferente. Em preto e branco não aparece a diferença. Em colorido aparece. Com a parte química, as tecnologias foram se desenvolvendo. Quando estava experimentando, fechava um ponto no diafragma. Se tem um 21, tem 100 ASA. Se tem 22, um ponto, 125 ASA. Se você tiver essa correlação da máquina, pode saber tanto da velocidade quanto da abertura do diafragma. Eu sempre gostei de dominar a máquina. Quando me davam uma automática eu não queria. Com a manual, eu podia controlar efeito de luz.

Foto: Reprodução

A Vitória do passado foi registrada pela lentes de Magid Saade
- Como o senhor começou a lidar com novas tecnologias na fotografia? Como o senhor avalia essa nova realidade?

- Em 1996, tive um câncer no intestino e fui obrigado a me afastar da fotografia. As pessoas acharam que eu fosse morrer, mas vaso ruim não quebra... (risos). Nesse ínterim que eu estava descansando, surgiram as máquinas digitais para atender a sociedade de consumo. Eles não estavam dizendo o que era. Estavam querendo vender. Durante o lançamento, a primeira máquina custava doze mil dólares. Depois barateou. Eu queria entrar na digital. Fui numa casa comercial. Havia máquinas nas vitrines todas. Pedi 'me veja a melhor máquina que você tem, que tenha prospecto'. Ele disse 'nenhuma dessas tem prospecto.' Então... eles estavam enganando com aquilo. A fotografia digital é a fotografia do momento e do futuro. Ninguém pode contestar isso, não. Fui começando o 'bê-a-bá' porque me interessa a digital. Eu não comprei porque, se comprar uma digital para chegar no estágio que eu cheguei, ia gastar mais de vinte mil reais. Não tenho nenhum filho, nenhuma neta que esteja se dedicando.. por isso, não comprei. Aqui em Vitória quem está dominando mais a fotografia digital é o Sagrilo. Ele está acompanhando o universo da fotografia digital. Muitos em Vitória estão fazendo um trabalho de 'carregação'. Quer dizer, para a fotografia ficar boa, a pessoa tem que 'namorar' e gratificar. Fico admirado que, aqui em Vitória, não vejo um livro bem impresso. Se entrar uma fotografia dessa aqui (mostra uma das suas fotografias), não vão aparecer esses detalhes. As fotografias de jornais impressos, como A Gazeta, A Tribuna e outras por aí... saem até boas, mas a maioria não. A maioria peca.

- Qual a sua definição de fotografia?

- A fotografia é uma arte. Ninguém pode contestar isso, não, apesar de alguns quererem considerar como arte gráfica. Se você não tiver o olho dedicado ao assunto, não fizer leitura do assunto, não dá. Tem que ter sensibilidade artística. Ganhei um prêmio com uma fotografia tirada aqui dentro de casa. Tirei de uma flor. Há uma diferença entre amadorismo e profissionalismo. O profissional tem obrigação de cumprir, de atender o seu cliente. A pessoa que não está no seu 'bom dia' vai tirar fotografia e tem que fazer o trabalho dele. O amador não. Ele vai se quiser. Uma vez me deu cócegas no meu dedinho (risos) e fui para Jacaraípe. Comecei a tirar fotos da areia. Tenho um ensaio da areia, daqueles desenhos. Tem uma parte lá com aquela areia preta com aquelas nervuras... Simplesmente me deu vontade de apertar o botão. (risos) Deu vontade, subi o morro... Hoje não tenho mais condição de subir em morro. Em primeiro lugar, não tem segurança. E se aparecer alguém para roubar a máquina? (risos)

Fonte: www.seculodiario.com.br/arquivo/2008/maio/17_18/entrevista/entrevista/17_05_01.asp

Comer com os olhos

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por Felicia Borges




Fotos: André Alves/Divulgação


O restaurante não é muito convencional, muito menos o chef que o comanda. Artista, poeta e famoso mestre da culinária, o macedônio Vicente Bojovski tem uma história muito peculiar com a gastronomia e todo o ambiente que o cerca em seu restaurante, o Guaramare, a beira de uma estrada em Guarapari. É ele o personagem da exposição Guaramare: No Mundo de Vicente Bojovski, do fotógrafo capixaba André Alves, que vai ser aberta nesta terça-feira (13), no projeto Vitória Foto.

O Guaramare reúne um conjunto de sensações e histórias, em que cada detalhe tem a mão de seu dono. É uma sucessão de experiências transformadas por seu criador em detalhes de arquitetura, decoração e culinária. As fotos para a exposição mostram justamente estes detalhes e foram selecionadas a partir do livro que também vai ser lançado na abertura da mostra. A obra bilíngüe, em 120 páginas, traz cerca de 120 fotos, um texto do Vicente contando a história do restaurante e algumas receitas que o chef serve a seus clientes.

O contato de André com o local começou ainda em 2004, para fazer o livro. Neste tempo, o fotógrafo fez uma vasta documentação fotográfica do local, que chega a cerca de cinco mil fotos. "Foi uma história de amizade. Eu sou amigo do Cristopher [editor do livro]. Ele inventou este projeto de fazer um livro sobre o restaurante e eu entrei. Eu fui lá muitas vezes, eu acompanhei o cotidiano do restaurante", conta.

Na primeira exposição que o fotógrafo faz dessas imagens, ele selecionou as mais representativas para mostrar o mundo de seu personagem. O trabalho inclui imagens de todo o processo produtivo do restaurante, que vai desde a aquisição da matéria-prima, passando pela preparação dos pratos, até a relação de Vicente Bojovski com seus clientes. Também mostra a bela e inusitada arquitetura do Guaramare, assim como as pinturas presentes nas paredes, ambas idealizadas e realizadas pelo próprio proprietário, e, é claro, as obras de arte servidas em pratos que dão água na boca.




Sem jamais ter feito sequer um curso que lhe ensinasse a arte culinária, Bojovski saiu do vilarejo em que vivia em sua cidade natal ainda jovem, passou por Paris, onde viveu por 15 anos, e em 1982 esteve no Brasil pela primeira vez. Quatro anos depois abriu o Guaramare, no centro de Guarapari, no litoral sul do Estado, e há 14 anos funciona no atual endereço, em Nova Guarapari.

"Não é um livro de um restaurante. É quase uma etnografia, um livro antropológico, que conta a história do restaurante, da relação do Vicente com os clientes. Ele se ramifica. Ele é pintor, ele que fez a arquitetura, ajudou a construir o restaurante. Ele escreve também. Eu tentei pegar essas várias facetas. É como um personagem", conta André Alves.

A relação do chef com os clientes, aliás, faz parte do ritual do Guaramare, que tem uma arquitetura toda particular, em uma casa rústica, construída à beira da lagoa, com madeiras nobres e material de demolição. Mais do que uma simples refeição, a cerimônia começa com as boas-vindas do proprietário, que, quase sempre, senta-se com os clientes para contar suas aventuras pelo mundo, muitas vezes acompanhado de um vinho. Depois, segue com a chegada da bandeja de camarões, lagostas e peixes fresquíssimos, em que se escolhe qual deles será preparado e de que maneira, ou o próprio chef escolhe para os clientes.

Ao todo, 25 fotografias 40x60 cm e de 4 fotografias de 40x100 cm compõem a exposição Guaramare: No Mundo de Vicente Bojovski. Ainda durante a exposição será exibida uma projeção multimídia com as imagens publicadas no livro e uma trilha sonora. Imagens para os amantes da fotografia e para os amantes da gastronomia.

fonte: www.seculodiario.com.br/arquivo/2008/maio/12/cadernoatracoes/cultura/01.asp