10 junho 2008

Um olhar lúdico sobre o nosso acervo iconográfico

Vitória Foto, o resgate do espaço político
perdido pela fotografia no Espírito Santo


por Cristina Moura

"É lento ensinar por teorias, mas breve e eficaz fazê-lo pelo exemplo." (Séneca)

O Vitória Foto conseguiu reunir, durante o mês passado e ainda com exposições abertas para a primeira quinzena deste mês, nomes importantes da fotografia dos cenários estadual, regional, nacional e internacional. No Espírito Santo, fotógrafos da nova geração estiveram atentos às discussões na área iconográfica e prontos para aprender com os veteranos, principalmente aqueles que conheceram (e viveram) o trabalho do Foto Clube, fundado em 1946.

Foto: Syã Fonseca


O material foi "absurdamente excelente", na avaliação de Carla Osório, coordenadora e produtora executiva do evento e nossa entrevistada deste final de semana. O evento contou com seis exposições simultâneas e oficinas gratuitas. O público teve acesso a trabalhos de renomados profissionais, como o carioca Walter Firmo, o capixaba Rogério Medeiros, além da presença da ONG Observatório de Favelas, do Rio de Janeiro, ligada à formação de fotógrafos na periferia.

O evento foi surpreendente, segundo a coordenadora. Fotógrafa, jornalista, editora da TV Assembléia-ES, Carla se revela apaixonada pelos desafios da imagem. É mestre em Comunicação pela Unip (Universidade Paulista), com a dissertação "Imagens da intolerância na mídia", especialmente sobre a intolerância religiosa. A fotógrafa também é co-autora da obra "Negros do Espírito Santo" (1999) e organizadora de "81 anos de cinema", catálogo de filmes do Espírito Santo (2007).

Até o próximo dia 15, ainda estarão abertas à visitação as exposições "Foto Clube do Espírito Santo", no Espaço de Artes do Bandes, Centro de Vitória; "Espírito Santo em Preto e Branco", de Rogério Medeiros, na Galeria Francisco Schwartz, Assembléia Legislativa, Enseada do Suá; e "Mulheres de Tucum", de Edson Chagas, na Aliança Francesa, Praia do Canto.


Século Diário: - Qual a sua avaliação sobre o Vitória Foto, um evento de grande porte na área da fotografia, em sua primeira edição?

Carla Osório: - Muito positiva. Deu muito trabalho para ser realizado, mas eu acho que o resultado... Quando eu falo em resultado positivo, falo, principalmente, em relação à presença do público, que surpreendeu muito. Para que a gente fale de sucesso de público, a gente tem que lembrar que a fotografia realizada no Espírito Santo tem uma qualidade muito boa. O Espírito Santo é uma terra marcada pela fotografia. Mesmo. Pensando em todo esse movimento em torno da fotografia, que começou na década de 20, nós, que realizamos o evento, sabíamos que o resultado ia ser muito bom. Mas, em relação ao público, pensávamos que estava muito afastado do público. Ou seria o público que estava afastado da fotografia? Pelo menos, em relação à fotografia de salão, de galeria, de exposição...

- Por que será que isso aconteceu?

Foto: Syã Fonseca


- Acho que houve uma interrupção, vamos dizer assim... no meio do caminho. Se pensarmos que a fotografia tem passado pelo público, se pensarmos a partir desse paradigma, acho que essa passagem da imagem de película, da condição analógica para a digital, deu uma certa freada nos eventos. Acho uma bobeira dizer que a fotografia perdeu seu status. Alguns poderiam dizer isso, mas eu acho que não. O público digital aumentou, o envolvimento dos fotógrafos com esse tipo de profissão ficou diferenciado, com aquelas propostas anteriores, com aqueles desejos de realizar uma proposta mais autoral, acho que diminuiu. Por outro lado, vejo menos fotógrafos realizando seus projetos pessoais. Bom, há um pessoal talentoso na área. O que é que faltava no Espírito Santo? Faltava espaço. Faltava um espaço cultural que a fotografia no Estado já tem, mas que precisava de um empurrãozinho.

- Por que só agora aconteceu esse tipo de evento? Ou já estava sendo gestado?

- Olha, eu, por exemplo, já sabia que, no ano passado, Apoena Medeiros queria fazer um projeto. Eu seria convidada para ficar na mesa. Depois, fiquei sabendo que o projeto não tinha ido para a frente, por falta de dinheiro mesmo, de uma produção executiva. Esse foi um ponto, mas houve outro problema que a fotografia passou, que foi a perda de espaço político dentro do meio cultural. A avaliação que eu fiz foi que o projeto não tinha ido para a frente porque a fotografia acabou disputando com outros meios... e perdendo! Como, por exemplo, para o audiovisual. A produção audiovisual no Espírito Santo, com produções na área de cinema, por exemplo, cresceu e a produção fotográfica diminuiu. Isso fez com que a gente perdesse espaço em vários nichos, nos movimentos culturais, junto a instituições governamentais. Não uma coisa premeditada, mas acho que esse tripé produção fotográfica-público-apoio se dissolveu num determinado momento. Para o evento acontecer precisou-se resgatar, retrabalhar esse tripé. Por isso a gente conseguiu levar, mostrar, junto com o projeto, para o institucional, para os governos, para as instituições públicas, que o projeto era bom, que o Espírito Santo conta com bons fotógrafos, e que a fotografia tem tudo para mostrar o Espírito Santo, levar o Espírito Santo para a frente e trazer pessoas importantes da área para o Estado. Reunimos um número bom de fotógrafos, com eventos que o público quer participar, mostrando que a fotografia do Espírito Santo vale a pena.

Foto: Syã Fonseca


- Como foi trabalhar com duas gerações, reunindo dois tipos de público, os veteranos na fotografia e a safra mais jovem?

- Pois é. Uma vez eu tinha escutado que faltava uma linha para o Vitória Foto. 'Carla, você não acha que está faltando um tema que una as exposições?' Eu falei: 'É, pode ser'. Na verdade, acho que nesse primeiro Vitória Foto fizemos o melhor que podemos. O Foto Clube do Espírito Santo foi uma das maiores surpresas. Eu, por exemplo, nunca tinha tido acesso ao Foto Clube, não conhecia Seu Magid (Saad, um dos fundadores do Foto Clube)... Eu já tinha lido alguma coisa sobre a produção dele, mas nunca tinha tido contato real com ele. E foi surpreendente porque o Foto Clube tem verdadeiros militantes da fotografia. Vamos lembrar que eles estão aí há 42 anos militando pela fotografia! A ponto de transformar no que seria um hobby ou uma expressão artística na vida dessas pessoas. Seu Magid é uma prova disso. Trabalhou num banco e tal... mas, se alguém perguntar qual a profissão dele, ele vai dizer que é fotógrafo. Então, foi, assim, surpreendente lidar com essas pessoas e também com o acervo fotográfico que eles têm. Eu queria abrir parênteses para dizer que tenho produção na área de audiovisual, especialmente na área de cinema. No último ano, havíamos feito um levantamento de toda a produção de película de cinema do Espírito Santo, em "81 anos de cinema no Espírito Santo". E a gente se deparou com todo esse acervo de imagens de cinema no Espírito Santo muito desgastado, mal conservado, perdido... E na fotografia a gente está no meio do caminho. Isso é uma preocupação. Quando entramos em contato com os produtores, muitas vezes não encontramos. Não encontramos um material importante, pois muitos não estão mais aqui, outros estão bem velhinhos... Procuramos investigar em que condições está esse acervo. Por exemplo, o acervo do Foto Clube só existe porque seu Magid existe. Enfim, pudemos descobrir também que essa memória iconográfica do Espírito Santo precisa ser cuidada. Mas, ainda dentro da sua pergunta, foi muito bom saber que, dos fotógrafos mais jovens que trabalhamos, foram os que fizeram oficinas de fotografia do Observatório de Favelas (RJ), pessoas que tiveram contato com a fotografia pela primeira vez. Tivemos um resultado surpreendente. Com o Observatório de Favelas do Rio formamos 16 novos fotógrafos. E o material é absurdamente excelente! Fotógrafos muito bons, com olhares muito bons e um material excelente.

Foto: Syã Fonseca


- Como foi trabalhar com nomes de projetos conhecidos como o Observatório e com Walter Firmo, fotógrafo conhecido nacional e internacionalmente? Como foi promover esse intercâmbio?

- Olha, foi fácil porque o Espírito Santo é muito atrativo. Se você conversar com fotógrafos do Brasil inteiro, todo mundo conhece os fotógrafos capixabas. Alguns deles já vieram aqui, têm amigos aqui. Temos um cenário maravilhoso para fotografar, temos uma cultura maravilhosa para fotografar... Quem não quer vir ao Espírito Santo? Então, foi muito bom. A receptividade das pessoas foi, automaticamente, muito positiva, principalmente em saber que o Vitória Foto reabre esse espaço de fotografia no Espírito Santo.

- Quais são seus projetos futuros? Há algum específico na área de fotografia? O que pode ser revelado ao público?

- Olha, acho que sou a única fotógrafa que tinha fotos que seriam expostas no Vitória Foto e não conseguiu realizar (risos). Fiquei dividida entre coordenar e realizar. Preferi coordenar e contei com o apoio de pessoas maravilhosas, que foram Apoena Medeiros e Fred Pacífico, e tantos outros. Mas se esse tripé não existisse o projeto não existiria. Eu quero muito poder realizar essa minha exposição, que se chama 'Loucos por inclusão'. Quero trabalhar com 'loucos' de rua e quero mostrar essa face dessas pessoas. Por que as outras pessoas têm tanto medo delas? Quero trabalhar em grandes dimensões. Não sei se será para o próximo Vitória Foto, que é bienal, ou... não sei se será antes.

Foto: Syã Fonseca


- Este ano... Ou ano que vem...

- (risos) Ainda não sei.

- O que você chama de 'grandes dimensões'?

- Grandes dimensões porque quero fazer em tamanho natural. Quero que as pessoas vejam o tamanho natural.

- O Vitória Foto contemplou a proposta de atrair mais pessoas ligadas à área de fotografia... Estamos falando de quem ainda não foi convidado...

- Sim, mas foi dentro de uma visão lúdica esse primeiro projeto. Acertamos bastante e erramos bastante. Nunca tínhamos feito nada antes parecido. Foi uma produção em vinte e poucos dias. Foi algo muito... intenso. Isso dá margem a erros. O segundo tem que ser repensado, no sentido do que pode ser mudado. Acho que tudo que é usado dentro de um modelo sempre aplicado, não gosto. Fica enjoativo, não é? Acho que para o próximo podemos pensar em rediscutir a proposta. Isso é importante, mas sempre 'linkados' com a idéia de trazer pessoas para o Estado. Algumas questões, como, por exemplo, um concurso fotográfico, não tivemos fôlego para realizar, e várias outras coisas. Seria um motivo a mais para a realização de fotografias no Espírito Santo.

- Inclusive, se o evento pensar num concurso, a produção executiva deverá pensar numa forma de premiação.

Foto: Syã Fonseca


- Exato. Será maravilhoso realizar um evento incluindo um concurso com os olhares voltados para o Espírito Santo. Então, vamos conseguir produzir mais imagens aqui. E essas imagens já estão viajando, seja em blogs, fotologs ou mesmo em outras publicações, enfim... Outra coisa que acho que precisa muito no próximo Vitória Foto seria produzirmos um material, um catálogo. Por exemplo, essas imagens que colocamos, do Foto Clube, não estão em lugar nenhum. Seria interessante porque poderíamos oferecer essas imagens em catálogo para o Vitória Foto. São várias outras idéias que poderíamos anexar para outros eventos.

- O catálogo seria um bom cartão de visitas...

- Justamente. O convite que enviamos, em forma de cartão, muita gente guardou.

- Uma peça decorativa, emotiva.

- É, sim, amorosa... A fotografia gera sempre uma relação emotiva com a imagem materializada.









FONTE: WWW.SECULODIARIO.COM
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