19 maio 2008

ENTREVISTA MAGID SAAD - FOTO CLUBE DO ES

'Eu me considero um fotógrafo amador aprofundado'

O último romântico das lentes



Cristina Moura

("A fotografia é uma forma de ficção. É ao mesmo tempo um registo da realidade e um auto-retrato, porque só o fotógrafo vê aquilo daquela maneira". Gérard Castello Lopes)

Foto: Ricardo Medeiros


Durante este mês, Vitória está sendo palco de uma das propostas inovadoras para a divulgação do trabalho fotográfico. O Vitória Foto já conta com seis exposições simultâneas e oficinas gratuitas. O evento pretende destacar a tradição do Estado na área e relembrar a fundação do Foto Clube do Espírito Santo, em 1946.

Como parte da programação do Vitória Foto, neste dia 20, a partir das 19h, no Espaço de Arte do Bandes, Centro de Vitória, estará aberta a exposição Foto Clube do Espírito Santo. A visitação será de 21 de maio a 15 de junho.

A exposição, além de celebrar 62 anos do Foto Clube, revelará ao público 48 imagens raras, produzidas por fotógrafos que fizeram parte desse movimento. Na entrevista deste final de semana, temos um legítimo representante dessa época. Talvez o mais velho entre os vivos. Magid Saad completará, em julho, 88 anos de vida e muitos dedicados à sua paixão pela fotografia.

A loja de equipamentos e materiais fotográficos Empório Capixaba era o cenário de muitos dos fotoclubistas, amigos e contemporâneos de Saad. Dentre eles, Pedro Fonseca, Érico Hauschild, Dolores Bucher, Ugo Musso, Décio Lírio e Finn Knudsen.

Foto: Ricardo Medeiros


Os apaixonados pela fotografia organizaram a "I Exposição de Arte Fotográfica de Amadores", inaugurada em 25 de dezembro de 1945, em uma loja da Praça Oito, Centro de Vitória. Foi daí que nasceu o Foto Clube. E, com a entidade, vários outros eventos provaram a credibilidade dos participantes. Sobre o Foto Clube e muitas outras experiências com a arte de fotografar falou Magid ao Século Diário, com o seu tom humorístico peculiar. Confira.


Século Diário: - O senhor nasceu em Vitória...

Magid Saade: - Vou completar 88 anos de idade. Nasci no dia 13 de julho de 1920. Sou descendente de libaneses. Nunca saí de Vitória. Fiz curso primário e ginásio em Vitória. Fiz Academia de Comércio. Sou contador. Na década de 1940 fiz concurso para o Banco do Brasil. Só me afastei 30 anos depois.

- Qual a sua função lá?

- Galguei diversos postos. Fui investigador de cadastro, chefe de sessão, vários serviços... Me aposentei na modalidade de comissões. Na carreira, cheguei à ultima 'letra', ou seja, categoria. A última era uma espécie de cargo de confiança do presidente do banco. Era 'extra-carreira'.

- E depois do banco, o senhor trabalhou em quê?

- Ainda no banco fui convidado para ser professor de Auditoria e Análise de Balanço no curso de Ciências Contábeis. Trabalhei 18 anos fazendo isso dentro do banco. Fui professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) vinte horas. Vinte horas! Não quis tempo integral, não. Na década de 40 pratiquei bastante esporte... atletismo, voleibol...

- Em qual clube?

- Entrei para o Saldanha da Gama. Fui remador do Saldanha da Gama. Fui diretor, fui secretário geral... Neste ínterim, trabalhei na Federação Desportista Espírito-santense. Fui assistente técnico de remo. Assumi, provisoriamente, a técnica de futebol quando Genílio Ramos adoeceu. Depois, o basquetebol, aqui em Vitória, estava paralisado. Eu fui designado assistente técnico de basquetebol para reerguer o esporte. Graças a Deus, consegui e ele está até hoje. Na Federação, fui secretário de Contas, secretário de Justiça, além de assistente de remo e secretário geral. A Federação era eclética. Agora está dividida. Agora tem departamento de voleibol, futebol, basquetebol...

Foto: Ricardo Medeiros


- Quando o senhor começou a se interessar por fotografia?

- Em 1945, ingressei no ramo da fotografia. Fazia as fotos e o Empório Capixaba revelava. Era a casa especializada no serviço. Eles resolveram trazer o Jamil Merjane do Rio de Janeiro para estruturar o Empório. Depois, Jamil se especializou como fotógrafo profissional. Nessa época, fomos nos comunicando com fotógrafos amadores. Era tudo amador! Foi sugerido pelo grupo realizar uma exposição de fotografia. Fizemos uma exposição em novembro de 1945 na Praça Oito. A Praça Oito era o Centro de Vitória. Tudo acontecia na Praça Oito. Era política, esporte, acordo, negociatas, tudo! (risos)

- Qual era o tema?

- Livre. Pensamos em fazer um Foto Clube para trocar idéias. A gente trocando idéias adquire novos conhecimentos. Então, foi fundado o Foto Clube, no dia 23 de maio de 1946. O Foto Clube reunia pessoas de toda as classes sociais interessadas por fotografia. Fui uma época em que houve um 'boom' de fotoclubismo em todo o mundo. Um 'boom' também de associações literárias e congêneres, associações culturais de diversas formas. Na época apareceu em Vitória também o Clube Filatélico Numismático, clubes afins... criadores de canário... (risos) enfim... Houve um 'boom' mesmo. Academia Espírito-santense de Letras, Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo... Eu comecei a me dedicar à fotografia quando o Renato Pacheco falou com o doutor Roberto Rodrigues e o doutor Danilo Rebouças, que era uma elemento proeminente, para que fizéssemos um curso de fotografia porque eles fizeram uma 'universidade do povo'. Então, foi feito o curso. No dia que eles não podiam ir eu assumia, dava aula no lugar. Aos pouquinhos, fui me entrosando com a fotografia. Comecei a dar cursos e sucessivos cursos. E aí eu tinha que estudar. Não posso dizer que sou autodidata porque eu assisti às aulas do professor Roberto. Depois, no Foto Clube, tivemos a participação de Quincas e Hugo Musso. Musso trabalhava no Empório, mas não era fotógrafo profissional. Aprendi muito com Quincas e com Hugo também. Comecei a estudar muito. Comprei livros, revistas... Às vezes, o aluno fazia uma pergunta e eu não sabia responder de pronto. Dizia 'na próxima aula eu respondo.' Aí, eu ia investigar o assunto. A mesma coisa eu fazia com as aulas de Auditoria e Balanço. Eu dizia 'vou ler e depois eu dou uma resposta.' Eu não sou uma enciclopédia humana... Então, o Foto Clube cresceu assustadoramente.

Foto: Ricardo Medeiros


- A adesão foi considerável...

- Começou de 1946 e terminou em 1970, quando também começou o declínio das entidades culturais artísticas. O pessoal mais antigo ou se transferia de Vitória ou morria. Posso dizer que sou o último. (risos). Por incrível que pareça, uma das fundadoras do Foto Clube, Dolores Bucker, que é neta de Albert Richard Dietze, primeiro fotógrafo que apareceu em Vitória. Ele veio lá de Santa Leopoldina. Ele foi fotógrafo do imperador! Há pouco tempo, foi descoberta uma caixa de fotografias dele em Santa Leopoldina. Eu me considerei um fotógrafo amador aprofundado. Entendeu? Eu tinha mais conhecimento que os demais. E alguns profissionais me consultavam. Sempre fui amador em fotografia. Jamais recebi um centavo por qualquer trabalho meu de fotografia. Nunca...


- ...nunca foi contratado?

- Fui procurado, sim, mas indicava um profissional. Aliás, fui essencialmente amador, de acordo com o postulado do Foto Clube. 'O Foto Clube do Espírito Santo é uma entidade juridicamente organizada, de direito privado, que tem por fim incentivar e propagar a arte fotográfica em seus aspectos e modalidades'. Artigo primeiro do estatuto. O Foto Clube do Espírito Santo é essencialmente amadorístico. Não recebe qualquer vantagem para aplicar. Para os cursos cobrávamos uma taxa para as despesas com material e mais nada. O grupo não tinha lucro nenhum.

- Chegou a reunir quantas pessoas?

- Ah, já chegou a cem pessoas. Fizemos inúmeros salões regionais, depois nacionais, e foi reconhecido pela Federação Internacional de Arte Fotográfica, que reunia todo tipo de material fotográfico do mundo. Nesse intercâmbio, junto com os Foto Clubes do Brasil e com a Federação Internacional, estivemos ligados à fotografia de cinema, e entramos em contato com todo mundo. Hugo e Quincas, então, começaram a ser profissionais. Depois, Sagrilo, profissional. Fonseca, um dos fundadores do Foto Clube, se tornou profissional. A gente fazia muita coisa. Mandaram para nós um filme diapositivo colorido. Mandaram 35 poses para fazer teste. Deviam ter mandado com 36. Tirei as fotografias. Tirava fotografia, um ponto a mais, um ponto a menos. E consegui fazer uma série. Isso foi para a Alemanha. Ficou bastante conhecido. Acho até que ficaram com excesso ou superexposição. Quando fui ao Rio, encontrei um alemão que criticou o trabalho. Disse que tinha condições de tirar uma fotografia exata, mas o amador não. O amador não, o amador erra. O alemão coçou a cabeça... (risos). Esse negócio de colorido é engraçado. Na Inglaterra foi um sucesso. Na França foi um fracasso. Nosso clima é tropical. O clima europeu é mais ameno. Há variações, sim, na fotografia. A gente observava que, ao revelar 100 ASA, a fotografia ficava um pouquinho diferente. Em preto e branco não aparece a diferença. Em colorido aparece. Com a parte química, as tecnologias foram se desenvolvendo. Quando estava experimentando, fechava um ponto no diafragma. Se tem um 21, tem 100 ASA. Se tem 22, um ponto, 125 ASA. Se você tiver essa correlação da máquina, pode saber tanto da velocidade quanto da abertura do diafragma. Eu sempre gostei de dominar a máquina. Quando me davam uma automática eu não queria. Com a manual, eu podia controlar efeito de luz.

Foto: Reprodução

A Vitória do passado foi registrada pela lentes de Magid Saade
- Como o senhor começou a lidar com novas tecnologias na fotografia? Como o senhor avalia essa nova realidade?

- Em 1996, tive um câncer no intestino e fui obrigado a me afastar da fotografia. As pessoas acharam que eu fosse morrer, mas vaso ruim não quebra... (risos). Nesse ínterim que eu estava descansando, surgiram as máquinas digitais para atender a sociedade de consumo. Eles não estavam dizendo o que era. Estavam querendo vender. Durante o lançamento, a primeira máquina custava doze mil dólares. Depois barateou. Eu queria entrar na digital. Fui numa casa comercial. Havia máquinas nas vitrines todas. Pedi 'me veja a melhor máquina que você tem, que tenha prospecto'. Ele disse 'nenhuma dessas tem prospecto.' Então... eles estavam enganando com aquilo. A fotografia digital é a fotografia do momento e do futuro. Ninguém pode contestar isso, não. Fui começando o 'bê-a-bá' porque me interessa a digital. Eu não comprei porque, se comprar uma digital para chegar no estágio que eu cheguei, ia gastar mais de vinte mil reais. Não tenho nenhum filho, nenhuma neta que esteja se dedicando.. por isso, não comprei. Aqui em Vitória quem está dominando mais a fotografia digital é o Sagrilo. Ele está acompanhando o universo da fotografia digital. Muitos em Vitória estão fazendo um trabalho de 'carregação'. Quer dizer, para a fotografia ficar boa, a pessoa tem que 'namorar' e gratificar. Fico admirado que, aqui em Vitória, não vejo um livro bem impresso. Se entrar uma fotografia dessa aqui (mostra uma das suas fotografias), não vão aparecer esses detalhes. As fotografias de jornais impressos, como A Gazeta, A Tribuna e outras por aí... saem até boas, mas a maioria não. A maioria peca.

- Qual a sua definição de fotografia?

- A fotografia é uma arte. Ninguém pode contestar isso, não, apesar de alguns quererem considerar como arte gráfica. Se você não tiver o olho dedicado ao assunto, não fizer leitura do assunto, não dá. Tem que ter sensibilidade artística. Ganhei um prêmio com uma fotografia tirada aqui dentro de casa. Tirei de uma flor. Há uma diferença entre amadorismo e profissionalismo. O profissional tem obrigação de cumprir, de atender o seu cliente. A pessoa que não está no seu 'bom dia' vai tirar fotografia e tem que fazer o trabalho dele. O amador não. Ele vai se quiser. Uma vez me deu cócegas no meu dedinho (risos) e fui para Jacaraípe. Comecei a tirar fotos da areia. Tenho um ensaio da areia, daqueles desenhos. Tem uma parte lá com aquela areia preta com aquelas nervuras... Simplesmente me deu vontade de apertar o botão. (risos) Deu vontade, subi o morro... Hoje não tenho mais condição de subir em morro. Em primeiro lugar, não tem segurança. E se aparecer alguém para roubar a máquina? (risos)

Fonte: www.seculodiario.com.br/arquivo/2008/maio/17_18/entrevista/entrevista/17_05_01.asp

Nenhum comentário: